quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

SOFT SKILLS - Competências Que Diferenciam







Envolvente

Os cientistas lutam por encurtar o período de vida útil das tecnologias. Os estrategas esforçam-se por limitar as vantagens competitivas dos concorrentes. Contudo, porque as tecnologias se compram e as estratégias se copiam, estes dois tradicionais pilares das vantagens diferenciadoras tendem a perder influência real.



Dois dos grandes mestres militares1, Sun Tzu (nascido na China há mais de 2500 anos) e Carl von Clausewitz (general prussiano, 1780-1831), há muito nos indicaram o caminho: a qualidade das tropas é essencial para ganhar as guerras (Tzu, 1996; Clausewitz, 1996).


Hoje, a Psicologia Social designa estes trunfos por Competências2, e as Ciências da Educação há muito nos ensinaram que o seu poder se baseia na tríade: Knowledge (Conhecimento), Skills (Destreza, Jeito, Capacidade) e Dispositions (Aptidões, Tendências Pessoais). Para evitar ambiguidades, continuaremos a utilizar a terminologia anglo-saxónica.


Conhecimento é, como afirma David Kolb (n. 1939), algo que depende do Saber mas não se extingue nele. Enriquece-se através dum processo contínuo conduzido pela atenção e personalidade do indivíduo, passando sucessivamente pela Reflexão Crítica, Abstracção, Experimentação Activa e Nova Reflexão Critica sobre Experiências Enriquecidas. Indivíduos distintos podem interagir com este ciclo de formas diferentes, sendo comum considerarem-se quatro tipos clássicos de experimentadores: os Reflexivos, os Teóricos, os Pragmáticos, e os Activistas.


Para mais fácil entendimento do significado do termo Skills, poderemos recorrer-nos do léxico dos profissionais de Marketing. Para estes, Merchandizing é a arte de colocar o produto certo, na altura correcta, no espaço preciso, da forma ideal, ao preço adequado. Assim, mutatis mutandis, Skills será o conjunto de características humanas indispensáveis para conduzirem um indivíduo a interpretar e concretizar objectivos, de forma adequada, numa determinada envolvente.

Por Hard Skills consideram-se as componentes técnicas, as matérias do conhecimento. Por Soft Skills entendem-se os cruciais complementos afectivos e emocionais, e em particular as relações intra e inter pessoais. Como explicou Howard Gardner (n. 1943) em meados dos anos 70, estamos a endereçar duas das oito componentes das Inteligências Múltiplas. As outras são, segundo o Modelo de Gardner: a Naturalista, a Lógico-Matematica, a Espacial, a Musical, a Linguística e a Cinestésica3.

O conceito de Inteligência Emocional, introduzido nos anos 1990 por Mayer e Salovey, a partir da Teoria das Necessidades Aprendidas de David McClelland (1917-1998), foi posteriormente desenvolvido por Daniel Goleman (n. 1946) e Richard Boyatzis (n. 1946), recorrendo, entre outros, aos estudos do neurocientista António Damásio (n.1949), endereça todo o âmbito relacional – intra e inter relacional – que foi referido.



Significado e valor do QI

QI, Quociente de Inteligência, foi a expressão criada em 1912 por William Stern (1871-1938), com a finalidade de relacionar a idade mental dos indivíduos com as suas idades cronológicas.


Concebido sobre pressupostos limitados (não considerando, por exemplo, que a cultura varia com factores como a diversidade geográfica ou o acesso à informação), só permite, obviamente, conclusões redutoras. Apesar disso, continua a ser utilizada com frequência para fins preditores de desempenho.

No entanto, a realidade revela-nos fraca correlação entre os valores de QI e o que se considera ser sucesso pessoal. Por um lado, indivíduos com valores médios de QI atingem com frequência posições de grande destaque nos desportos, nas empresas e na política, enquanto outros com QIs muito mais elevados não passam de lugares apagados ou menores (Goleman, 1995, 1998).


Cientistas, consultoras e as próprias empresas empenharam-se então na análise do inesperado fracasso deste preditor. O caminho haveria de revelar o que se passou a designar como Soft Skills, potenciadores do Saberes Tradicionais (Saber-Saber e Saber-Fazer). Os novos diferenciadores são o Saber-Ser e o Saber-Estar. Os primeiros identificam-se com o QI – Quociente de Inteligência. Estes últimos têm a ver com o QE – Quociente Emocional.


O que significa QE

QE denomina o Quociente Emocional e quantifica o grau de domínio das emoções próprias e alheias. Todos os seres humanos possuem sentimentos que se revelam por emoções, não existindo relações intrapessoais nem interpessoais que escapem à sua influência.


António Damásio explica como todo o processo se desenvolve, desmontando a célebre frase “Penso, Logo Existo” (Descartes, 1986), contrapondo a ideia de que a existência se caracteriza pelo acto de Sentir e não pelo acto de Pensar (Damásio, 1996, 1999).

A Inteligência Emocional edifica-se em cinco pilares: (1) Auto-Avaliação; (2) Auto-Regulação; (3) Auto-Motivação; (4) Empatia; (5) Competências Sociais. (Goleman, 1995, 1998, 1998-2, 2000, 2006). A grande novidade em relação ao conceito de Inteligência Geral é que esta, tal como a definiu Piaget, se mantém praticamente imutável, ao passo que aquela é moldável e passível de desenvolvimento. Pode aprender-se a ser-se emocionalmente mais inteligente.
Ainda mais importante é o facto de se poder incrementar os níveis de QE sem auxílio de terceiros, ou seja, contando unicamente com os recursos próprios.


 

O Ensino não deve ser exclusivamente HARD

É inegável que o ensino tem evoluído muito nas últimas décadas. Contudo, continua quase exclusivamente focalizado na transmissão do Saber-Saber e do Saber-Fazer. Hard, como sempre foi, cumpre objectivos curriculares padronizados, que são avaliados através de provas estandardizadas, obedecendo a apertados critérios previamente definidos, contra rígidas escalas pré-estabelecidas.


Será que esta situação é inevitável? Porque não se pode conciliar a aprendizagem do Hard com a do Soft, beneficiando das evidentes sinergias?


Muitas podem as razões apontadas, mesmo as aparentemente mais inverosímeis. As metodologias de formação de adultos, parecem mostrar uma pista valiosa a explorar. Transformar as aulas em espaço de debate, de confronto de ideias, e dos mais diversos relacionamentos à volta dos comentários e interpretações, que os alunos possam fazer sobre textos fornecidos com antecedência pelo professor, e aos quais possam acrescentar as suas próprias experiências, pode ser a chave. Também, a abertura das salas de aula ao exterior da Academia pode ajudar. E isto pode ser levado a cabo através de aulas experimentais fora do campus, ou convidando agentes do mercado a intervirem nas salas com o apoio dos professores.


Esta tarefa não se afigura de implementação problemática. Será uma questão de ousadia ou de alteração de normas? Poderá argumentar-se que os alunos, mesmo os do ensino superior, não são suficientemente adultos para enfrentarem tais desafios. E então, sê-lo-ão para, face ao Processo de Bolonha, responderem com maturidade às responsabilidades inerentes aos graus de Licenciados ou Mestres, com 21 ou 23 anos, que a nova Academia lhes confere?

Bolonha só vencerá se soubermos transformar os conteúdos, os métodos utilizados e o ambiente nas salas de aula. É um novo paradigma. Trata-se de transformar, não de adaptar o ensino. Reduzir a questão a mera acomodação de processos é, perigosamente, planificar o insucesso. E isso é o que ninguém deseja.



O futuro é SOFT

Alguns dos maiores mitos do século XX são hoje miragens. O emprego para toda a vida não é mais prometido por nenhuma empresa socialmente responsável. A longevidade média das empresas é actualmente inferior a trinta anos4. Ao mesmo tempo, os políticos tentam aumentar as carreiras contributivas para além de quarenta anos. Estima-se que os trabalhadores deverão conhecer pelo menos quatro empregos ao longo das suas vidas (nalgumas geografias, este valor poderá variar entre 6 a 12 mudanças de empregador)5.


Elementar meu caro Watson, como diria Sherlock Holmes. Ambas as partes, empregadores e empregados, têm de repensar interesses e posições. Como preconiza Charles Handy (1992, 1998, 1998-2, 2002), o trabalho volta a ganhar estatuto em relação ao emprego. O futuro é dos trabalhadores do conhecimento (Drucker, 1988, 1992, 1993, 1998, 1999, 2000, 2002). A lealdade dos trabalhadores deixou de fazer sentido em relação à empresa, mas unicamente em relação aos projectos e aos clientes (Peters, 1990, 1997, 2000, 2001).


Ser especialista seja em que área for, já não é garantia de emprego duradouro. A realidade é cada vez mais volátil, e o leque de exigências é cada vez mais diversificado, incluindo como skills básicos:

 

• Orientação para Resultados
• Foco no Cliente
• Trabalho em Equipa
• Análise e Resolução de Problemas
• Iniciativa
• Flexibilidade
• Comunicação Pessoal.


Todas estas competências podem, e devem, ser desenvolvidas a nível escolar a par da transmissão do conhecimento técnico.

Estamos perante a necessidade de visão estratégica. A situação carece de coragem, planeamento e, sobretudo, decisão para acção. É um desafio que não podemos correr o risco de perder.

 
NOTAS

1        A citação militar não deve surpreender. De facto, parte muito significativa das práticas de gestão, em particular de recursos humanos teve origem nas das mais antigas e sólidas instituições – a militar e a religiosa.
2        Por Competência entenda-se o conjunto de características individuais que se julgam preditoras de desempenhos superiores.
3        O autor tem vindo a identificar novos tipos de inteligência, pelo que o modelo original tem vindo a ser alargado (veja-se p.e. https://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncias_m%C3%BAltiplas
4        Interessante artigo do Prof. Vitor Gonçalves no jornal Económico de 24 de Junho de 2015: http://economico.sapo.pt/noticias/a-longevidade-empresarial_221807.html
5        Sobre empregabilidade e mudança de emprego ao longo da vida: http://www.forum.pt/conhece/10384-novos-empregos
___________________________________________________________
REFERÊNCIAS

CLAUSEWITZ, C. (1996): Da Guerra, São Paulo – Editora Martins Fontes
(também à venda a edição alargada de 2003, mesma editora)
DAMÁSIO, A. (1996): O Erro de Descartes, São Paulo – Companhia das Letras
DAMÁSIO, A. (1999): O Sentimento de Si – O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência, Mem Martins – Pulicações Europa-América
DESCARTES, R. (1986): Discurso do Método, Mem Martins – Publicações Europa-América, Lda.
DRUCKER, P. (1988): As Fronteiras da Gestão, Editorial Presença Lda.
DRUCKER, P. (1992): Gerindo para o Futuro, Lisboa – Difusão Cultural
DRUCKER, P. (1993): Sociedade Pós-Capitalista, Lisboa - Difusão Cultural
DRUCKER, P. (1998): The Discipline of Innovation, Drucker Foundation News, March, Volume 5, Issue 4
DRUCKER, P. (1999): Management Challenges for the 21st Century, New York: HarperCollins Publishers Inc.
DRUCKER, P. (2000): Desafios da Gestão para o Século XXI, Lisboa – Livraria Civilização Editora
DRUCKER, P. (2002): Managing in the Next Society, New York – St. Martin’s Press
GOLEMAN, D. (1995). Emotional Intelligence, New York - Bantam Books
GOLEMAN, D. (1998): Trabalhar com Inteligência Emocional, Lisboa – Temas e Debates Actividades Editoriais, Lda.
GOLEMAN, D, (1998-2) What Makes a Leader. Harvard Business Review. November-December, pp. 93-102.
GOLEMAN, D. (2000): Leadership That Gets Results, Harvard Business Review, March-April
GOLEMAN, D. (2006): Inteligência Social, Lisboa – Temas e Debates, Actividades Editoriais
HANDY, C. (1992): A Era da Irracionalidade, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (1998): A Era do Paradoxo, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (1998-2): O Espírito Faminto, Mem Martins – Cetop
HANDY, C. (2002): Elephants and Fleas, Leader to Leader, No. 24, Spring issue
PETERS, T. (1990): A Gestão em Tempo de Mudança, Lisboa – Editorial Presença
PETERS, T. (1997): The Brand Called You, Fast Company, August/September, Issue 10, pp.83
PETERS, T. (2000): A Marca Você, São Pulo, Campus
PETERS, T. (2001): Tom Peter’s True Confessions, Fast Company, Nov. 2001, issue 53, p. 78
TZU, S. (1996): A Arte da Guerra, São Paulo – Editora Paz e Terra


Sem comentários:

Enviar um comentário